'Berço do Rio Grande do Sul' se prepara para avanço das águas
Centenas de quilômetros e 12 dias depois de iniciar seu caminho de destruição no Rio Grande do Sul, as águas de uma das maiores enchentes já vistas no mundo aproximam-se da fase final da jornada ao atingir a porção sul da Lagoa dos Patos.
É o fim, mas já foi o começo. Quando o brigadeiro português José da Silva Paes avistou do oceano a embocadura aberta da lagoa, em 1737, julgou que estava diante de um grande rio.
A ideia inspirou o nome da vila que fundou às margens do canal, Rio Grande, futura capital da província de mesmo nome.
Quase trezentos anos depois, os gaúchos que contemplam o canal natural que liga a lagoa ao Atlântico têm a impressão oposta à de Silva Paes: ele nunca pareceu tão pequeno diante da enxurrada que terá de despejar.
A Lagoa dos Patos estende-se por 250 km de comprimento e 10,3 mil km quadrados de área. Serve de receptáculo a uma bacia hidrográfica 12 vezes mais extensa.
Em comparação, o Canal do Norte é diminuto: tem 22 km de comprimento e 2 km de largura. Nesse duelo de Davi contra Golias, poucos apostam no canal.
Prefeito da cidade fundada por Silva Paes, Fábio Branco (MDB) torce pelo melhor, mas prepara a população para o pior.
Acostumado a enchentes em razão da vizinhança da lagoa, o município de 211 mil habitantes trabalha com cenários que apontam para 35 mil a 40 mil desalojados pelas águas. Até o momento, a cheia em alguns bairros já empurrou 500 pessoas para abrigos.
Como boa parte dos gaúchos, os habitantes de Rio Grande acostumaram-se nos últimos dias a tirar a sorte com réguas de medição.
Às 19h40min de ontem, o nível da Lagoa dos Patos medido pelo Centro de Comando da Marinha (CCMar) era de 2 metros e 36 centímetros, 1 metro e 56 centímetros acima do normal.
A prefeitura identificava 29 áreas de risco, nas quais o trânsito de automóveis era desaconselhado, havia interrompido totalmente o acesso rodoviário às ilhas e suspendido as aulas na rede municipal.
"Estou na área de risco", diz Branco à BBC News Brasil, por telefone. Morador do bairro Saco da Mangueira, ele já tirou móveis e objetos de valor de casa e prepara a transferência da família para a casa de parentes.
Por sorte, o cenário dos próximos dias depende de fatores situados além das margens da lagoa e do canal. Estendido sobre a grande planície litorânea gaúcha, sem serras ou morros no entorno, o mar de água doce que se aproxima depende, para se movimentar, da direção do vento e da ação das marés oceânicas.
Essas variáveis podem ser acompanhadas em modelos computadorizados impenetráveis para pessoas comuns, mas manejados como artefatos cotidianos por pesquisadores como Lauro Barcellos.
"Sofreremos um impacto de água numa quantidade que nunca antes conseguimos observar", afirma o diretor do Museu Oceanográfico de Rio Grande. Aos 68 anos, Barcellos dedica-se há 55 aos estudos oceanográficos, numa trajetória que lhe rendeu o título de doutor honoris causa pela Universidade de Rio Grande (Furg).
Fonte: BBC
Foto: Joel Vargas/Divulgação