O crime de trabalho escravo foi cometido contra duas funcionárias e o de lesão corporal contra uma delas. Na peça de acusação, o MPF esclarece que deixou de propor acordo de não persecução penal, diante da natureza e do elevado grau de reprovabilidade das condutas, não sendo o acordo suficiente para a reprovação e prevenção dos crimes imputados à denunciada.
A denúncia do MPF narra que Melina França, na qualidade de empregadora, submeteu duas empregadas, contratadas para o desempenho de emprego doméstico, a condições degradantes no exercício das atividades laborais, análogas à de escravo. Segundo a denúncia, as empregadas foram submetidas a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, vigilância ostensivamente abusiva, restrições à liberdade de locomoção, retenção de bens pessoais, com o propósito de mantê-las compulsoriamente no local de trabalho, além de reiteradas agressões físicas e morais. O procurador da República Cláudio Alberto Gusmão Cunha, que assina a peça, aponta que todos os fatos relatados foram plenamente comprovados, inclusive com base nos depoimentos da denunciada.
No caso de uma delas, contratada para a função de babá das filhas trigêmeas da denunciada, o procurador da República destaca que a relação trabalhista foi marcada, desde o início, por uma série de condutas ilegais. “Para além da patente violação de regras laborais básicas, descambaram para atos abusivos, violentos e degradantes, que ofenderam a ex-empregada (...) em sua dignidade”, pontua, em um dos trechos da denúncia.
Segundo a denúncia do MPF, Melina França, agora ré no processo, não formalizou o registro do vínculo empregatício da babá na Carteira de Trabalho e impôs uma jornada “manifestamente superior à prevista em lei (limitada a 8 horas diárias e 44 horas semanais)”. Além disso, a denunciada definiu um salário mensal no valor de R$ 800, inferior ao mínimo legal fixado de R$ 1,1 mil para o ano de 2021, época dos fatos. O MPF também registra que a babá sofria vigilância ostensiva no local de trabalho com restrições à liberdade de circulação, ofensas morais com xingamentos diversos e agressões físicas. Ainda conforme a denúncia, Melina França também reteve o aparelho celular da babá, como forma de mantê-la no imóvel e monitorar suas mensagens, impedindo contato com terceiros.
Desespero – Diante de todas as ofensas e agressões, no dia 25 de agosto de 2021, cinco dias após a sua contratação, a babá, sentido-se ameaçada, inclusive de morte, após novas agressões e com receio de novos atos de violência, “num gesto de desespero, lançou-se através do basculante instalado no banheiro, vindo a cair sobre a laje do 1º andar do edifício”, relata a denúncia. De acordo com o documento, a queda gerou inúmeras lesões, como equimoses, escoriações, edema traumático e ferimentos, conforme discriminado no laudo pericial. Após esses desdobramentos, foram acionados o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e a Polícia Militar. Em seguida, foi instaurado inquérito na 9ª Delegacia Territorial da Polícia Civil do Estado da Bahia.
Segunda vítima – A denunciada Melina França também cometeu diversas ilegalidades contra outra empregada, contratada para o trabalho doméstico. De acordo com a denúncia, a relação também foi conduzida “ao arrepio das leis trabalhistas e permeada pela prática reiterada de atos ofensivos, inclusive com violências físicas, e atentatórios contra a dignidade” da empregada. A situação cessou apenas quando ela conseguiu fugir da residência onde trabalhava.
Claudio Gusmão aponta que, neste caso, também não houve assinatura da Carteira de Trabalho e “sequer o pagamento regular de salários”, além da imposição de rotina excessiva de trabalho com jornada que excediam em muito as 8 horas diárias e o limite de 44 horas semanais estabelecido para os trabalhadores.